Friday, February 25, 2005

Porto sentido...

Que dizer da cidade que aprendi a amar tanto... que dizer do muro onde sempre regresso para olhar o rio e no ocaso de mim encontrar o horizonte...

“É saudade, mas não é só saudade. Isto vem de muito fundo. Os meus actos são guiados por mãos desaparecidas e a minha convivência é com fantasmas. Este cheiro... esta paisagem- mar, rio e céu- entranhou-se-me na alma- não como paisagem, mas como sentimento. Ressuscito as horas que perdi debruçado no velho muro e sinto o grão da pedra onde punha as mãos... Uma luz como não há outra e que estremece com o movimento e os reflexos da água, um ar como não há outro e que ainda hoje respiro como a própria vida! Silêncio...
A Foz vai doirando lentamente, ano após ano, crestada pelo ar da barra, camada de sol, camada de salitre...” Raul Brandão

“Ali o rio, as casas em cascata, os rostos, as vozes, os gritos, os gestos. Uma beleza funda, grave, rude e rouca. Escadas, arcadas, ruelas abrindo para o labirinto do fundo do mar da cidade. E, aqui e além, um rosto emergindo do fundo do mar da vida.
[...] Porque ali é a cidade onde pela primeira vez encontrei os rostos de silêncio e de paciência cuja interrogação permanece. Porque ali é o lugar onde para mim começam todos os maravilhamentos e todas as angústias.” Sophia de Mello Breyner Andresen

"[...]Esse teu ar grave e sério, num rosto de cantaria que nos oculta o mistério dessa luz bela e sombria... Ver-te assim, abandonado, nesse timbre pardacento, nesse teu jeito fechado de quem mói um sentimento... E é sempre a primeira vez em cada regresso a casa, rever-te nessa altivez de milhafre ferido na asa." Carlos Tê

É bom saber que vou sempre regressar a casa... é bom saber que ainda vou atravessar tantas vezes uma ponte sobre o Douro.

Tuesday, February 22, 2005

Canzone per un sognatore

In giro per il mondo, occhi incrociavano I miei occhi... amori sparsi hò trovato per la strada che rifacevano I miei sogni... che rifacevano I miei sogni.
Sogni di bambino, sogni di un giorno potere abbracciare il mondo sentendo di capire quanto piccolo sono.

my happy thought

... disse-me que desta vez resultaria. Tentei pela 14ª vez e mais uma vez caí no chão. Nem com os pózinhos mágicos da Sininho consegui o tão desejado sentimento libertador do voo.
Foi então que ela se lembrou que é preciso ter um pensamento feliz para conseguir voar... mas não um pensamento qualquer! Tem que ser aquele pensamento único que acima de qualquer outro tem tanta felicidade dentro que nos impulsiona através das leis da física e nos faz levantar e esquecer o chão que dói nos pés.
Foi então que olhei para o lado e me vi a andar de bicicleta por entre as vinhas num fim de tarde de Outono com a música da Amélie Poulain a deslizar na cabeça... e foi então que me vi a chegar a casa na 6a feira passada e, sem esperar, encontrar a minha piccola princcipesa... e foi então que me lembrei das tardes passadas à lareira com o Rui e das tardes passadas no Palácio de Cristal com a Ana ... foi então que me lembrei das noitadas na faculdade com o Vasquinho, a Sofia e a Sandrinha e do modo como sempre nos divertíamos apesar do trabalho... foi então que me lembrei do meu pai e dos nossos passeios à tardinha pela Curia e das guerras de espuma a lavar o carro... e então também me lembrei das longas conversas em família à volta da lareira com bolinho e chocolate quente... lembrei-me ainda do Claudel e dum bar de jazz na cidade de Londres. Lembrei-me nesse instante do João e do Hugo e do modo como sempre me fazem rir e das parvoíces que fazemos nas alturas mais insólitas... e ainda do Telhas e da Lili e do concerto do Carlos Bica e da valsa numa noite no jardim da Cordoaria. E então veio-me à memória uma noite num jardim na cidade de Sofia e das escaladas no interior da Bulgária... e das salsichas e da cerveja em Frankfurt. Recordei os Verões passados no refúgio Aboim Ascensão e daqueles pequenos a correrem pelo pátio e do Igor a segurar na minha mão e do pequeno João a dormir no meu regaço. E então lembrei-me de tantos dias felizes passados em Água de Madeiros e do gosto especial de estar com os amigos. E nesse momento, um por um, cada momento feliz da minha vida continuou a desfilar pelos meus olhos sucedendo-se sem cronologia própria e sem limites no espaço e no tempo.
Nesse instante comecei a sentir o chão longe dos pés... e percebi também que era impossível saber qual dos pensamentos era o mais libertador. My happy thought?... ter a certeza que tudo o que vivi sempre fará parte de mim.

"Somewhere over the rainbow... blue birds fly..."

Monday, February 21, 2005

Mais que uma história...

Sabes Zibli, ninguém acredita que existes. Quando falo aos crescidos de ti olham-me com aqueles olhos grandes e abanam a cabeça. Dizem que só existes na minha imaginação. Para que servem os olhos grandes dos crescidos se não te conseguem ver?
Ainda bem que estás aqui comigo. Não é que me sinta sozinha... tenho muitos amiguinhos aqui e as senhoras enfermeiras e os doutores fazem-me sempre muita companhia. A mamã e o papá também vêm cá sempre que podem, mas o papá disse que eles precisam trabalhar para ganhar os tostões para a roupa, os brinquedos, a comida, essas coisas... e os meus manos precisam deles em casa. Mas mesmo assim, ainda bem que estás aqui... é que sinto que algo estranho se passa e não sei como falar disso com os crescidos. A mamã disse que eu vinha para o hospital para ficar boa mas já se passou tanto tempo e eu continuo aqui.
Sabes... à noite, quando estão todos a dormir, penso que estou em casa... mas quando tenho sonhos maus e quero ir enfiar-me na cama dos papás percebo que tenho que ficar na minha cama, sozinha, à espera que a noite passe e penso no que a mamã disse: “Tens que ser forte... tens que ser uma menina grande!”... mas a verdade é que as minhas mãos ainda são pequeninas e os meus pés mal dão para encher a parte da frente dos chinelos do papá! Zibli... tenho medo.
O senhor doutor ontem explicou-me porque é que estou doente... falou-me de uma fábrica que tenho dentro do meu corpo que já não funciona bem e por isso os aviões que monta saem avariados e sem asas... também me explicou que o cabelo é como as flores que murcham mas deixam lá as sementes e que por isso voltam a crescer. Ele disse que se eu tiver um pouco mais de paciência vou voltar a ter cabelo. Perguntei-lhe porque é preciso tantas picas... disse que é para ajudar a fábrica a funcionar melhor e também, às vezes, é para verem como estão os aviões. Depois deixou-me brincar com aquela coisa de ouvir o coração e deu-me umas luvas como as que as enfermeiras usam.
Contei isto à minha mãe e perguntei-lhe porque é que a minha fábrica avariou... terá sido pelas vezes em que não comi a sopa? Mas ela disse que a culpa não era minha... que eu era uma menina muito bonita e que não havia razão nenhuma.
E eu que pensava que os crescidos sabiam as razões para tudo.
Sabes Zibli... apetecia-me ir para a cama dos meus pais, mas não pode ser. Ainda bem que estás aqui. Assim podemos esperar juntos pelo dia de amanhã... é que amanhã vem cá aquela menina que nos conta histórias... vou pedir que me conte aquela história do principezinho e do seu planeta pequenino e da sua rosa, ou aquela história de um gato que encontrou uma gaivota bebé que não tinha mamã e que ele teve que ensinar a voar, mas também pode ser aquela história da concha que tem uma caminha lá dentro para meninas como eu poderem dormir e sonhar com coisas bonitas.

“Apareceu quando me viu adormecer... ficou sentado perto de mim, onde mora a fantasia. Quis-lhe tocar, mas não se pode ter a noite a iluminar o dia! Soprou devagarinho uma estrela que se acendeu na sua mão – disse-me: ‘Podes sempre vê-la se souberes soprá-la no teu coração!(...) Está a nascer o dia, vou para onde a noite se esconder! Volto com a primeira estrela para tu nunca teres medo ao escurecer...’” *
*O menino do piano, Mafalda Veiga

[Às vezes fico a imaginar o que vai na cabecinha destes pequeninos que são obrigados a crescer mais do que as suas mãos e os seus pés. E porque a verdade é que os crescidos não sabem as razões de tanta coisa, Deus me conserve os olhos pequeninos para poder sempre ver o que os seus olhos vêm para que um dia eu possa saber contar as histórias que os façam conseguir esperar pelo próximo dia.]

Wednesday, February 16, 2005

Implosão

Implosão - do Fr. implosion < Ing. implosion ; rebentamento para dentro; s. f., conjunto de explosões combinadas de forma a que os seus efeitos tendam para uma área limitada central; (Fís.) Fenómeno de colapso para o interior das paredes de um recipiente sujeito a uma maior pressão no exterior do que no seu interior. [A melhor maneira de explodir quando não queremos que os outros se apercebam.]

Cristalização

Quando já nada nos prende, andamos soltos...
como versos sem rima.

Monday, February 14, 2005

Num dia em que se celebra o amor...

O tell me the truth about love
by W.H.Auden

"Some say that love's a little boy, and some say it's a bird,
Some say it makes the world go round, and some say that's absurd.
And when I asked the man next-door, who looked as if he knew,
His wife got very cross indeed, and said it would't do.

Does it look like a pair of pyjamas, or the ham in a temperance hotel?
Does it odour remind one of llamas, or has it a comforting smell?
Is it prickly to touch as a hedge is, or soft as eiderdown fluff?
Is it sharp or quite smooth at the edges? O tell me the truth about love.

Our history books refer to it in cryptic little notes,
It's quite a common topic on the Transatlantic boats;
I've found the subject mentioned in accounts of suicides,
And even seen it scribbled on the backs of railway-guides.

Does it howl like a hungry Alsatian, or boom like a military band?
Could one give a first-rate imitation on a saw or a Steinway Grand?
Is its singing at parties a riot? Does it only like Classical stuff?
Will it stop when one wants to be quiet? O tell me the truth about love.

I looked inside the summer-house; It wasn't ever there:
I tried the Thames at Maidenhead, and Brighton's bracing air.
I don't know what the blackbird sang, or what the tulip said;
But it wasn't in the chicken-run, or underneath the bed.

Can it pull extraordinary faces? Is it usually sick on a swing?
Does it spend all its time at the races, or fiddling with pieces of string?
Has it views of its own about money? Does it think patriotism enough?
Are its stories vulgar but funny? O tell me the truth about love.

When it comes, will it come without warning just as I'm picking my nose?
Will it knock on my door in the moorning, or tread in the bus on my toes?
Will it come like a change in the weather? Will its greeting be courteous or rough?
Will it alter my life altogether? O tell me the truth about love."

Saturday, February 12, 2005

Interlúdio



"Quando veio, mostrou-me as mãos vazias,
As mãos como os meus dias,
Tão leves e banais...
E pediu-me que lhe levasse o medo,
Eu disse-lhe um segredo: "Não partas nunca mais!"
E dançou, rodou no chão molhado,
Num beijo apertado, de barco contra o cais...

E uma asa voa a cada beijo teu
Esta noite sou dona do céu
E eu não sei quem te perdeu...

Abraçou-me... como se abraça o tempo,
A vida num momento,
Em gestos nunca iguais...
E parou, rodou contra o meu peito,
Num beijo imperfeito, roubado nos umbrais.
E partiu, sem me dizer o nome
Levando-me o perfume de tantas noites mais...

E uma asa voa a cada beijo teu
Esta noite sou dona do céu
E eu não sei quem te perdeu...

E eu não sei quem te perdeu..." *

*Pedro Abrunhosa

Friday, February 11, 2005

Post Scriptum



Se hoje me fosse concedido um desejo... um qualquer, daqueles que não dependem das leis da lógica ou da física... num dia como o de hoje talvez o bom senso e o pragmatismo ficassem esquecidos e fossem substituídos pelo simples desejo de ter perante mim um construtor de metáforas.
Crescemos a ver nas histórias a cujos personagens são concedidos tais imediatos desejos que o mais importante é saber escolher sensatamente... mas hoje talvez abrisse mão de um sábio pedido por outro irracionalmente simples... pediria apenas um lugar num canto da sala onde Rodin esculpia o seu mármore branco.
E ficaria assim, olhando a pedra fria, amorfa, agreste... promissora.
E ficaria assim, sustendo dentro do olhar o momento em que, tal como numa página em branco, se começa a definir uma história que é necessário contar.
E ali, num momento coagulado no tempo... ele, o escritor da pedra, transpiraria toda a definição de cada marca e elas, as suas mãos - prolongamentos das suas veias - dançariam uma valsa lenta imprimindo na rigidez da pedra a visão interior... com a mesma paixão com que se imprimem visões nas teclas frias de um piano. Talvez assim, ao ver o bloco frio, amorfo e agreste a ganhar lentamente vida, pudesse entender melhor o significado de cada marca que deita partes de nós fora. Talvez assim não custasse tanto crescer e aceitar as marcas que os outros deixam em nós como forma de atingir o que temos dentro.
E porque me foi concedido não um desejo mas a vontade de desejar... desejei reconhecer nos contornos que hoje possuo, a origem de cada impressão - reconhecer em todas as pessoas que passaram por mim, aquilo que deixaram... reconhecendo em cada um cada parte do que sou e do que encerro.
E quando uma marca doer mais do que é costume... será por ter sido mais profunda e por isso, impossível de apagar.

Tuesday, February 08, 2005

[as linhas de uma última flor]

acorde[suspenso

Deep blue___________________________________________
Find a way and clear my soul Driving out to get my goal
God knows I cannot stand It' s time to say goodbye
You don't know, you should have known the pain I feel inside
Find a way to ease my breath on and on to fill my chest
I can't stay, I cannot stay cause only tears remain
I can't hide, I cannot fight and play this crying game
So, I was dreaming of you I was falling with you and broke my heart.

Voz- Sónia Tavares
Letra- Sónia Tavares e Rodrigo Leão
Música- Rodrigo Leão

//Sempre haverá momentos em que só nas palavras dos outros encontramos os fragmentos das palavras que já não conseguimos dizer... e assim se morre por ser preciso chegar ao fim //

Monday, February 07, 2005

Tradições

Manhã. Frio e sol. Ao fim de quase um ano... todos juntos outra vez.
Vestimo-nos com a promessa de um frio serrano bem mais penetrante que o do litoral. E fomos os quatro, para reencontrar aquela que nos faltava para sermos os cinco de sempre!
Gosto de viajar... gosto do carro por entre a manhã submersa no silêncio da vegetação congelada, gosto da música e de me sentir em família... por entre as conversas, os silêncios e o pesar sonolento das pálpebras.
As tradições, por muito que nos pareçam relicários da antiguidade, são ainda o mote para o interromper do asséptico quotidiano e reencontar num "velho modo de vida" as delícias do estar juntos e do recordar.
Matou-se o porco em casa dos compadres... vieram a minha irmã, o meu cunhado e a minha princcipesa do Algarve e encontrámo-nos todos, depois de tanto tempo, à volta de uma mesa farta numa aldeia esquecida de Viseu.
Sempre a mesa, como sinal de continuidade entre os que a rodeiam. Sem pressas e sem outro compromisso senão o de saborear queijos, carnes, doces e tudo o que torne a mesa tão abundante quantos as memórias que nos unem e as promessas que nos movem.
Olhar as pequenas mãos nas minhas e sentir os abraços com "é eta a fôxa como goto de ti!" faz-me desejar regressar sempre a uma grande mesa em que se pode comer entrecosto assado à mão!
Sabes, piccola princcipesa... também não goto de vir embora!!!

Tuesday, February 01, 2005

[Cinema]

" 'Cinema' é uma nova viagem por géneros e ritmos em que a beleza da música se mistura com o respeito pelo silêncio, ao mesmo tempo que promove o encontro sem complexos entre o clássico e o electrónico. O carácter apaixonado da sua música e a forma como parece situar-se algures fora do espaço e tempo..." faz de Rodrigo Leão alguém que entende os indefinidos lugares que a música percorre dentro daqueles que a ela se abandonam.
E hoje o acordar foi assim. E porque o céu estava mais azul, abri a janela e voltei a deitar-me... e fiquei assim, esquecida do mundo e esquecida de mim a ouvir o som quente de um cinema imaginado.

Rosa_______________________________________________
Hoje o céu está mais azul, eu sinto
Fecho os olhos, mesmo assim
Eu sinto
O meu corpo estremecer
Não consigo adormecer

Ah, nem o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor

Hoje o céu está mais azul, eu sinto
Olho à volta mesmo assim
Eu sinto
Que este amor vai acabar
E a saudade vai voltar

Ah, nem o tempo vai chegar
P'ra dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor

Já não sei o que esperar
Dessa vida fugidia
Não sei como explicar
Mas é mesmo assim o amor

Voz: Rosa Passos
Música: Rodrigo Leão, Ryuichi Sakamoto

Letra: Ana Carolina