Tuesday, May 24, 2005

O fim das histórias

"- Assim dizem que se passaram as coisas - dirá o compadre Nushino cuspindo ainda uma última vez antes de partir, porque os xuar se afastam quando acabam uma história, evitando as perguntas que geram mentiras. " Luis Sepúlveda in O velho que lia romances de amor

Thursday, May 12, 2005

[this side of the river]

"Weep not mine eyes for the world you've not seen,
forever picture the world witnessed;
Weep not my feet for the ground you've not tread,
dance for the bit of dirt you've kissed;
Weep not my arms for the prince who never came,
hold those you've been blessed with;
Weep not my hands for the pottery never created,
caress the marks you've made;
Weep not my mind for the lessons forgotten,
relish in all the memories you gain;
And weep not my heart, please, weep not...
your beating is not in vain."
S.A.Z., 03.07.99

Ontem abri a caixa onde fui guardando algumas recordações que ao longo dos anos foram fazendo de mim o que sou... e surpreendi-me não só pelo peso da caixa mas, acima de tudo, pelo peso de tantas palavras que fizeram de mim porto para tantos barcos.
Tantos e tantos silêncios que foram tempestades.
Tantas e tantas coisas que fui recebendo de quem fui encontrando pelo caminho.
E lembrei tantos caminhos que um dia se uniram ao meu e que hoje seguem por direcções tão diferentes... e penso que é por isso que o coração insiste em bater de forma renovada a cada dia - porque entende melhor que eu que é pela promessa de cada nova ponte que nos faz atravessar para a outra margem, que o corpo não cessa de inspirar, como se fosse vida e não simplesmente ar aquilo que penetra os espaços que tenho dentro.
E o que não vi, os caminhos que deixei de percorrer, os abraços que não dei, as coisas que não criei, as lições que esqueci e as pontes - as que não construí, as que não quis percorrer, as que só eu ousei atravessar... Até o que se sonhou e não se viveu tem que partir um dia!
... porque sempre haverá coisas que nos lembram da força das palavras, sempre existirão momentos em que nos sentiremos perplexos pelas distâncias que se encurtaram, pelos lugares que de repente passaram a ser refúgios, pelas pessoas que inesperadamente se sentaram ao nosso lado - do lado de cá do rio.

"Eu fui devagarinho com medo de falhar, não fosse esse o caminho certo para te encontrar... fui descobrindo devagar cada sorriso teu, fui aprendendo a procurar por entre os sonhos meus. Eu fui assim chegando sem entender porquê... já foram tantas vezes, tantas assim como esta vez... mas é mais fundo o teu olhar, mais do que eu sei dizer - é um abrigo para voltar, ou um mar para me perder..." Mafalda Veiga

[Antes que o dia se transforme em noite... antes que a ousadia se dilua no medo de falhar... vou ficar um pouco aqui, sentada neste banco, detendo o olhar no que está deste lado do rio - pessegueiros em flor.]

Wednesday, May 11, 2005

Labirinto... ou alguns lugares de amor

"É Março ou Abril?
É um dia de sol
perto do mar,
é um dia
em que todo o meu sangue
é orvalho e carícia.

De que cor te vestiste?
De madrugada ou limão?
Que nuvens olhas, ou colinas
altas,
enquanto afastas o rosto
das palavras que escrevo
de pé, exigindo
o teu amor?

É um dia de Maio?
É um dia em que tropeço
no ar
à procura do azul dos teus olhos,
em que a tua voz
dentro de mim pergunta,
insiste:
Se te fué la melancolia,
Amigo mío del alma?

É Junho? É Setembro?
É um dia
em que estou carregado de ti
ou de frutos,
e tropeço na luz, como um cego,
a procurar-te."


Eugénio de Andrade

Monday, May 09, 2005

Uma canção para ti...

"Smile though your heart is aching
Smile even though it's breaking
When there are clouds in the sky, you'll get by...
If you smile through your fear and sorrow
Smile and maybe tomorrow
You'll see the sun come shining through... for you
Light up your face with gladness
Hide every trace of sadness
Although a tear may be ever so near
That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you just smile
That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you just smile..."
Voice Nat King Cole
Words by John Turner and Geoffrey Parsons
Music by Charlie Chaplin

[Se é verdade que "Pouco sabem da tristeza aqueles que dizem aos tristes para se alegrarem"* apetece-me dizer-te... anseio por ver-te sorrir outra vez!]
*Agustina Bessa Luís

Wednesday, May 04, 2005

'bout Sandy

Foi no ano em que vim viver para o Porto.
Nesse Inverno choveu imenso... praticamente todos os dias.

Lembro-me que era sábado... tinha acabado de acordar e estava na cozinha a preparar o pequeno almoço. Mais uma vez chovia e perguntei-me onde teria ido a minha colega de casa tão cedo, numa manhã tão cinzenta. De repente percebi que tinha chegado... estava parada à porta da cozinha com algo nos braços.
Não resisti... sabia que era impossível... que os meus pais nunca o permitiriam... que a encarregada da casa teria três ou quatro síncopes... que era um grande encargo e uma grande responsabilidade. Mas quando a Sarah me mostrou uma pequena cadelinha que tinha encontrado abandonada não ofereci qualquer resistência a deixar-me possuir por um imenso carinho por aquele animal tão pequenino e desprotegido.
Era rafeirinha, mas parecia um Labrador em ponto pequeno. Enfim... de uma fofura irresistível. E como tinha cor de areia decidimos dar-lhe um nome que a Sarah pudesse pronunciar... Sandy.
As complicações não se fizeram tardar... demoraria três parágrafos à Saramago para descrever todas as peripécias que passámos com a Sandy... mas por alguns meses viveu conosco, cresceu e aprendeu ordens em duas línguas. Julgo que foi um cachorrinho feliz.
Depois a Sarah voltou para os EUA e não pôde levá-la... e tornou-se impossível para mim tomar conta dela sozinha. A solução foi levá-la para casa dos meus pais onde passou a viver com mais liberdade. Descobriu que existem animais estranhos como gatos, ratos, galinhas, lagartixas, etc. Descobriu que os donos lhe ficariam gratos se ladrasse se algo de estranho se passasse. E julgo que foi esquecendo aos poucos a infância passada num apartamento e a bola verde com que brincava e o tapete castanho que roía e o sabor das pipocas de que tanto gostava.
E ontem a Sandy morreu... o veterinário não pode fazer nada para além de lhe aliviar o sofrimento.
Há algum tempo que não vou a casa... mas quando voltar sei que não vou receber o olá habitual vindo das traseiras.

"...quando nos deixamos prender arriscamo-nos a chorar de vez em quando... " Saint-Exupéry

Tuesday, May 03, 2005

[Lullaby]

Nature boy__________________________________________
There was a boy
A very strange enchanted boy
They say he wandered very far, very far
Over land and sea
A little shy and sad of eye
But very wise was he

And then one day
A magic day he passed my way
And while we spoke of many things
Fools and kings
This he said to me
"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"

"The greatest thing you'll ever learn
Is just to love and be loved in return"


[...uma das questões universais está no modo como se aprende a lição do amor. Só sei que aquilo que aprendi foi por ter um dia percebido que o amor não pode nunca resumir-se à categoria de substantivo! Enquanto não elevarmos o amor à sua categoria de verbo- acção, movimento, expressão- ele não passará de indefinição lírica e vazia. A primeira lição de amor que recebi não foi quando a minha mãe olhou para mim quando eu nasci e disse "Meu amorzinho lindo!"... foi quando me sorriu e abraçou e me fez sentir a certeza do seu cuidado para sempre. Amamos os outros quando lhe oferecemos sentimentos com forma- pedaços do nosso movimento, gestos de dádiva, expressão de alegria e até de preocupação. Amamos os outros quando percorremos os caminhos que nos levam ao seu encontro. É por isso que, quando estou triste com alguma contrariedade do dia, ou ansiosa pela dificuldade do dia a seguir, recordo estas palavrras do Nat King Cole... e de repente tristezas e medos ficam pequenos... e adormeço em paz.]