Wednesday, November 30, 2005

13.06.1888-30.11.1935 [PESSOA

O ANDAIME

"O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio

Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar."

Fernando Pessoa

Sunday, November 27, 2005

"Viajar...perder países!"-II

"Sometimes there's so much beauty in the world I fell like I can't take it, like my heart's going to cave in." in American Beauty

Nunca antes tinha sentido isto de uma forma tão plena e penetrante... existem certos cenários de uma beleza tão abundante que parece grande demais para ser contida por percepções dos sentidos.
Mas talvez o reconhecimento da beleza seja mais um estado de espírito que propriamente a constatação das características intrínsecas das coisas e dos ambientes... seja como for, talvez por estar muito feliz, talvez por ter ao meu lado quem sempre põe uma música dentro de mim, a verdade é que regressar das Astúrias por um caminho branco e solarengo e sentir-me rodeada por montanhas de uma textura desconcertante de rocha e algodão foi concerteza a imagem de beleza mais avassaladora e perfeita que já pude testemunhar... e esse é talvez o privilégio mais especial que a vida e os outros nos podem conceder: to notice and to witness!

Thursday, November 10, 2005

-f-e-l-i-c-i-d-a-d-e-

"Falas de civilização e de não dever ser,
ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
com as coisas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos os que levam a vida
a querer inventar a máquina de fazer felicidade!"
Álvaro de Campos

[nem sempre a felicidade se soletra da mesma maneira- é o que se aprende quando a vida nos mostra não sabermos quase nada de quase ninguém]

Friday, November 04, 2005

ININTERRUPTAMENTE

Thursday, November 03, 2005

Just a little bit [Closer

"And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time

And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her skies

I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...

And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time

And so it is
The colder water
The blower's daughter
The pupil in denial

I can't take my eyes off you...

Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?

I can't take my mind off you
I can't take my mind off you
I can't take my mind off you
I can't take my mind off you
I can't take my mind off you
I can't take my mind...
My mind...my mind...
'Til I find somebody new..."
by Damien Rice

Tuesday, November 01, 2005

1Novembro 2004[2005

"Somos folhas breves onde dormem
aves de sombra e solidão.
Somos só folhas e o seu rumor
inseguros, incapazes de ser flor,
até a brisa nos perturba e faz tremer.
Por isso a cada gesto que fazemos
cada ave se transforma noutro ser."
Eugénio de Andrade

Recordo as palavras escritas por Eugénio de Andrade numa placa escondida num dos jardins do Palácio de Cristal. Olho para as folhas que dias antes eram secas, quentes e coloridas e vejo que hoje a chuva sepultou finalmente a memória do Verão. E neste Outono cinzento percebo que também para as árvores é um dia triste aquele em que chega a hora de deixar partir a cor...
E sempre chove neste dia.

E neste dia em que sempre chove, amarro ao peito a promessa de florir e como uma ave... transformo-me noutro ser!