Friday, February 11, 2005

Post Scriptum



Se hoje me fosse concedido um desejo... um qualquer, daqueles que não dependem das leis da lógica ou da física... num dia como o de hoje talvez o bom senso e o pragmatismo ficassem esquecidos e fossem substituídos pelo simples desejo de ter perante mim um construtor de metáforas.
Crescemos a ver nas histórias a cujos personagens são concedidos tais imediatos desejos que o mais importante é saber escolher sensatamente... mas hoje talvez abrisse mão de um sábio pedido por outro irracionalmente simples... pediria apenas um lugar num canto da sala onde Rodin esculpia o seu mármore branco.
E ficaria assim, olhando a pedra fria, amorfa, agreste... promissora.
E ficaria assim, sustendo dentro do olhar o momento em que, tal como numa página em branco, se começa a definir uma história que é necessário contar.
E ali, num momento coagulado no tempo... ele, o escritor da pedra, transpiraria toda a definição de cada marca e elas, as suas mãos - prolongamentos das suas veias - dançariam uma valsa lenta imprimindo na rigidez da pedra a visão interior... com a mesma paixão com que se imprimem visões nas teclas frias de um piano. Talvez assim, ao ver o bloco frio, amorfo e agreste a ganhar lentamente vida, pudesse entender melhor o significado de cada marca que deita partes de nós fora. Talvez assim não custasse tanto crescer e aceitar as marcas que os outros deixam em nós como forma de atingir o que temos dentro.
E porque me foi concedido não um desejo mas a vontade de desejar... desejei reconhecer nos contornos que hoje possuo, a origem de cada impressão - reconhecer em todas as pessoas que passaram por mim, aquilo que deixaram... reconhecendo em cada um cada parte do que sou e do que encerro.
E quando uma marca doer mais do que é costume... será por ter sido mais profunda e por isso, impossível de apagar.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Às vezes, penso já compreender parte do verdadeiro SER que se encerra em ti, mas surpreendes-me a cada pequena marca que te vai revelando. E a pedra outrora altiva e fria insinua-se cada vez mais promissora…

February 11, 2005 at 8:19 PM  
Blogger Nuno Lacerda said...

Ei!
Gostei muito deste "post"... aliás gostei de todos os que li! Mas gostei MUITO deste!
Não tenho nada a acrescentar, só queria partilhar o meu entusiasmo!

February 14, 2005 at 12:36 AM  

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