Sunday, June 20, 2010

A melodia do homem | SARAMAGO


"É uma vida à procura de uma voz.
A melodia do homem nasce dessa busca incessante: descobre-se quando nos descobrimos.
Não foi fácil: desaprender custa mais do que aprender.
Estarei agora, ao menos, mais perto desse dizer que ajude outros a falar?"
Eugénio de Andrade, prefácio in 'Vertentes do Olhar'

E é na voz de Saramago que não se perdeu mas que sempre viverá - nas palavras, nas angústias, e na cegueira que sem sabermos há muito nos acompanha - que nasce a melodia de uma liberdade que já não tem o vermelho dos cravos de outrora:

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... »
José Saramago, in 'Cadernos de Lanzarote - Diário III', pág. 148

A morte continua entre nós... sem intermitências.
E se é inevitável perder no tempo os rostos, que permaneçam ao menos os legados!
Se já esquecemos os que antes de Saramago nos legaram o ideal da liberdade, tentemos ao menos um último esforço de humanidade numa altura em que lentamente nos tornamos, como outro José, o Fanha, diria: "Gente pouca, pouca e seca!"

Embora ateu, José Saramago soube expressar melhor que ninguém uma das verdades bíblicas mais contemporâneas - a da cegueira colectiva: a imoralidade dos que desviam o olhar por interesse, a imundície que habita na impunidade daquilo que ninguém vê, a incapacidade de realmente ver. Afinal, sempre será verdade que "Têm olhos, mas não vêm"...

Se nada mais sobrar de Saramago, que pelo menos isto permaneça - a urgência de devolver a luz ao verbo olhar!

Tuesday, October 21, 2008

|Tus manos|


Cuando tus manos salen,
amor, hacia las mías,
¿qué me traen volando?
¿Por qué se detuvieron
en mi boca, de pronto,
por qué las reconozco
como si entonces, antes,
las hubiera tocado,
como si antes de ser
hubieran recorrido
mi frente, mi cintura?

Su suavidad venía
volando sobre el tiempo,
sobre el mar, sobre el humo,
sobre la primavera,
y cuando tú pusiste
tus manos en mi pecho,
reconocí esas alas
de paloma dorada,
reconocí esa greda
y ese color de trigo.

Los años de mi vida
yo caminé buscándolas.
Subí las escaleras,
crucé los arrecifes,
me llevaron los trenes
las aguas me trajeron,
y en la piel de las uvas
me pareció tocarte.

La madera de pronto
me trajo tu contacto,
la almendra me anunciaba
tu suavidad secreta,
hasta que se cerraron
tus manos en mi pechoy
allí como dos alas
terminaron su viaje.
Pablo Neruda

Wednesday, June 25, 2008

Serei, serás, seremos...



I'll Be_Edwin McCain
"The strands in your eyes that color them wonderful
Stop me and steal my breath.
And emeralds from mountains thrust toward the sky
Never revealing their depth.
Tell me that we belong together,
Dress it up with the trappings of love.
I'll be captivated,I'll hang from your lips,
Instead of the gallows of heartache that hang from above.

I'll be your crying shoulder,I'll be love's suicide
I'll be better when I'm older,
I'll be the greatest fan of your life.
And rain falls angry on the tin roof
As we lie awake in my bed.
You're my survival, you're my living proof.
My love is alive -- not dead.

And I've dropped out, I've burned up,
I've fought my way back from the dead.
I've tuned in, turned on, remembered the things that you said...

I'll be your crying shoulder,I'll be love's suicide
I'll be better when I'm older,
I'll be the greatest fan of your life...

Wednesday, April 16, 2008

you, we, i...


"the sweat of breath the tear on brow
the question and the wonder how?
the stroke of pen
the strike of key
the music and the melody
the wanderings of you and me
the gradual darkness, the brighter morn
the stretch the grab the grasp the yawn
the wonder and the cry
the expression of my god why?
o to live o to give
o to laugh and sigh
this is is the magic of you , we , i. "
Mite Child

Saturday, June 30, 2007

[Pureza e desejo]

"Sabes que não sei muito mais do que aprendemos os dois...
Em livros secretos, tentámos fazer melhor!
Como dois cristais cor de anil que se olham de frente e perfil...
Pureza e desejo e um toque de mão gentil.
Quero ver se não respondes, desta vez puxei por mim
Canto, voa no bico de um Colibri!
Se quiseres fazer de conta que não viste como eu vi
O fogo que arde no peito de um Colibri.
Cravejámos de ondas e sal, não quisemos ver o areal...
Deserto das cores com que pintámos amores.
Não quero saber muito mais...
só quero saber se onde vais, regressaste a ti?
Só quero ver-te feliz..."
Luis Represas

Tuesday, June 12, 2007

Cristalização


"A única verdadeira tristeza está na ausência de desejo."
Charles Ramuz

Quando as lágrimas secam e deixamos de desejar, de sonhar, de querer lutar, de ânsiar... sabemos que a tristeza nos derrotou e só nos resta flutuar ao sabor que a corrente desejar por nós. É assim que aos poucos se desiste de rir qualquer sorriso, para deixar de chorar mais uma lágrima que seja.

Friday, May 25, 2007

Prelúdio

"Patch Adams"
Acredito que entre todas as entidades contagiosas que já estudei, o amor é o mais poderoso. Contagia ainda que usemos luvas de látex para proteger as mãos ou máscaras com viseira para evitar que penetre no nosso corpo.
Ao ver este filme pude ver-nos ali - finalistas de Medicina que daqui a dois meses vão poder ostentar uma bata e um estetoscópio e ter o poder de penetrar muito profundamente na vida de inúmeras pessoas. E não serão poucas as vezes em que iremos de luvas de látex e máscara. Contudo, ainda que nenhuma doença nos possa contagiar, descobri ao longo destes 6 anos como aluna, que quem somos não se esconde por detrás de todo esse aparato. Quem somos sempre vem à tona quando alguém nos pergunta, olhos nos olhos: "Doutora, vou morrer?"

Desde 4ª feira que não vou à enfermaria. Dores de garganta, febre, enfim... nada que mate, mas que mói. Ainda assim, sinto um certo alívio por estar doente. É o refúgio ideal para ficar no meu canto sem ter que olhar o Sr. José e lhe dizer que sim... eventualmente o seu cancro vai acabar por vencer!
Na altura só me ocorreu dizer-lhe que, na realidade, ninguém sabe dizer ao certo quando é que a morte chega. Isso, só Deus sabe!
Frases feitas.
Na altura respondi sem pensar que "frases feitas" não ajudam quando interiormente se sente que a vida se está a esgotar. Curioso... quando nos encurralam com perguntas difíceis o mais instintivo é recorrermos a lugares comuns.
Como dizia, quem somos sempre vem à tona e descobrimos invariavelmente a nossa cobardia e inexperiência!

Depois do primeiro impacto resolvi que não havia muito que pudesse fazer para aliviar o sofrimento daquele marido apaixonado apesar dos anos, daquele pai de três senhoras e avô de duas meninas. Sentei-me ao seu lado e deixei-o chorar nas minhas mãos. Quem me dera tê-lo feito rir... tirar do bolso o meu nariz de palhaço e fazê-lo recordar a vida que há num sorriso.
Ainda assim, mesmo sentindo que fiz tudo errado, percebi que existe Graça no amor. Pude ver nas suas lágrimas que ter ficado ali, em silêncio, foi para ele mais importante que qualquer resposta iluminada ou qualquer tentativa aparvalhada de minimizar a sua dor.

Creio que a real mensagem do Dr. Adams foi a do amor - "Patch", que significa "remendo", é a ilustração perfeita para o que ele fazia. Procurava o buraco por onde saía a esperança e remendava-o.
Nem todos saberemos como tornar as vidas dos que nos rodeiam mais felizes, mas se estivermos atentos, realmente atentos, acontecerá termos o privilégio de sermos contagiados por um pouco de amor e, consequentemente, sermos portadores de um pouco de conforto e esperança.

Penso que isto serve para todos na mesma medida - professores, contabilistas, empregados de balcão, secretárias, taxistas, polícias, etc. Todos nós temos os nossos próprios buracos que precisam ser preenchidos, todos nós temos momentos em que sentimos a esperança a fugir e todos nós precisamos de amor para viver. Se isto é assim tão verdade para todos e uma inevitabilidade da vida, espanta-me que façamos tanto esforço para nos escondermos por detrás de um nome, de um estatuto, de uma bata, de um balcão, de uma secretária, de uma cara fechada.
No final, o que resta?!...

"What's wrong with death sir? What are we so mortally afraid of? Why can't we treat death with a certain amount of humanity and dignity, and decency, and God forbid, maybe even humor. Death is not the enemy gentlemen. If we're going to fight a disease, let's fight one of the most terrible diseases of all, indifference."

O mais contagioso? O amor.
A mais mortal? A indiferença.